19 dezembro 2009

Nathália



o homem é seu próprio árbitro
e também seu destruidor
não preserva seu meio
só pensa no inteiro, no todo
quer tudo para si

não raciocina
racionaliza
tem gelo por coração

não compartilha
ignora - fecha os olhos
passa de largo
e o pobre estende a mão
inútil - o homem já foi
não é bom samaritano
é homem moderno
jovem rico
insensível

o belo céu azul
de tão triste
agora está cinza
a terra, em cinzas
queimada
magoada
ferida

seus filhos a incendeiam
apagam sua beleza
explodem corais
atóis
montanhas
sonhos
vidas

seres vivos morrem
com eles, o Amor

Mãe-Terra
grandiosa
não chores
ainda há um justo
ainda há uma luz
a esperança vive
no interior desse homem

o certo é incerto
mas a verdade sobrevive
o mal não vencerá

1º julho 2000

Pensamento V

Foto: Arquivo do Autor

"A humanidade, por si só, é uma contradição: devemos todos ser iguais, mas somos todos diferentes." César dos Anjos

["Mankind itself is a contradiction: we should all be equal, but we are all different."]

na estrada de casa



são dez carros por segundo
e cem quilômetos por hora
a estrada corre depressa
(corremos juntos também)
pingos de sonhos caem no chão
as nuvens choram sobre nós
um banho de lágrimas vivas
dormentes
calientes
sedentas
de esperança
do prazer de nos ver sorrir
no sofrer de nos ver chorar
o fim da estrada chegou
cruzo a noite
me atiro ao curso do mar

(é a morte!)


14/jul/2000

Indigência



foi ao solo
um corpo sem vida
não há resistência

o projétil
atravessou-lhe o crânio

seu sangue
tingiu a calçada

seu cérebro
parou de pensar

31/jul/2000

Soneto Sati



morte minha tão amada
tão robusta tão incerta
abrevia tua chegada
teu poder me manifesta

ceifa rápida e discreta
esta vida transtornada
tão infame tão modesta
já em si amortalhada

meu espírito liberta
traz em tua mão a espada
leva est'alma agonizada

traz a paz e mais nada
quero pouco morte amada
tão insana tão funesta

08/ago/2000

Mapa do ser e do ser - I



o angustiante incontável
das horas cinzas e nuas
me amargam
de ânsias cruas

incontáveis objetos
incontidos gestos
de pavor
de um febril calor

socorro meus sentidos
quatro se perdem
de lugar
na sombra dos ouvidos

oiço as gentes com
palavras abstratas
memórias
de longas datas

o perfume não sinto
adormeço faminto
de sonhos
de versos e olhares medonhos

matéria espiritual:
almas atomizadas
de poder
em meu DNA final

25 jan 2003

Soneto da minha fraqueza



qual a resposta que procuro
cuja pergunta não fiz?
ainda enterrado no escuro
sinto-me preso a uma raiz

no mundo solitário e inseguro
somos seres incompletos, servis
escravizados para um futuro
a qual sentença não se diz

e quanto à minha questão
quero bramir forte igual leão
derrubando sua nova presa

mas estou pálido - estou rouco
não tenho forças - nem um pouco
só um lápis e papel sobre a mesa

09-10-2001

Ninguém!



De todos os sonhos
todos os anseios
todos os medos
todos os amores

quem nunca sofreu
algum desengano?

jul/2000

12 dezembro 2009

Por onde passei



sigo a estrada
num dia meio azul

por sendas tranquilas
o verde me leva

árvores nuas
a me acompanhar

caminho de sombras arteriais
imortais elevações
me aguardam
no fim de uma curva

portal de ramos perdidos
e folhas esquecidas

o dia que não é meu
mas me pertence

ocultas dores
incontáveis amores
mil sentimentos
conduzem
meus passos cegos

libertam
meus pensamentos

em todos os caminhos
por onde passei

12/12/2009 - 14h25min

[Este belo poema será incluído no livro VERSOS CAÓTICOS]

10 dezembro 2009

Metade



olhando pela porta
meio aberta
verás apenas
meias histórias
meias idéias
meio vagas

olhando pela janela
meio fechada
verás apenas
meios corpos
meios sonhos
meio mortos

olhando ao meio
verás o mundo
não por inteiro
meias terras
meios mares
meio tortos

olhando assim
meio mundo
meio planeta
amortalhado
meio espaço
meio universo

olhando apenas
meio a meio
contemplando
o meio vivo
meias palavras
meio existente

olhando somente
com teus olhos
verás apenas
metade de mim

10/dez/2009 – 10h44min

[Poema publicado na antologia ECOS DA ALMA, da Editora Andross, São Paulo]

08 dezembro 2009

Pensamento IV



"Nenhum poder na terra está satisfeito com seu domínio." César dos Anjos

15/11/2009, 05h27min

Traduções livres:

"No power on earth is satisfied with its domain." [inglês]

"Ningún poder en la tierra está satisfecho con su dominio." [espanhol]

"Keine Macht auf Erden ist mit einer eigenen Domain zufrieden." [alemão]

"Никакая сила на земле был бы удовлетворен своим собственным доменом." [russo]

"Nessun potere sulla terra è soddisfatto del proprio dominio". [italiano]

"Aucune puissance sur terre, est satisfait de son propre domaine." [francês]

"אין כוח בעולם הוא מרוצה תחום משלו" [hebraico]

"Nici o putere pe pământ este satisfăcută de domeniu propriu." [romeno]

"Ingen makt på jorden är nöjd med sin egen domän." [sueco]

"Cap poder sobre la terra està satisfet amb el seu propi domini." [catalão]

"Hakuna nguvu katika ardhi ni kuridhika na milki yake mwenyewe." [suahíli]

"هیچ قدرتی در روی زمین را به دامنه خود راضی است" [persa]

"Ne moći na zemlji je zadovoljan sa svojom domenom." [croata]

"Geen mag op aarde tevrede is met sy eie domein." [africâner]

"Nuk ka pushtet mbi tokë është i kënaqur me domain e vet." [albanês]

"Няма сила на земята, е изпълнено със собствен домейн." [búlgaro]

"Non hai poder na terra de estar satisfeito co seu propio dominio." [galego]

"Geen macht op aarde is tevreden met zijn eigen domein." [holandês]

"Żadna siła na świecie jest zadowolonych z własnej domeny." [polonês]

"No jauda uz zemes ir apmierināts ar savu domēna." [letão]

"Tidak ada kekuatan di bumi adalah puas dengan domain sendiri." [malaio]

"Žiadna moc na zemi je spokojný s vlastnou doménou." [eslovaco]

"Không có quyền lực trên trái đất là hài lòng với tên miền riêng của mình." [vietnamita]

"อำนาจ ใน แผ่นดิน ไม่ พอใจ กับ โดเมน ของ ตนเอง." [tailandês]

"Ниједна власт на земљи је задовољан са својим доменом". [sérvio]

"Ei valtaa maan päällä on tyytyväinen oma domain." [finlandês]

"Ingen magt på jorden er tilfreds med sit eget domæne." [dinamarquês]

"קיין מאַכט אויף ערד איז צופֿרידן מיט זיין אייגענע פעלד" [yiddish]

"Enginn máttur á jörðinni er ánægður með eigin ríki hans." [islandês]

"Dim pŵer ar y ddaear yn fodlon â'r parth ei hun." [galês]

"Žádná moc na zemi je spokojen s vlastní doménou." [tcheco]

"Nincs földi hatalom meg van elégedve a saját domain." [húngaro]

"Tidak ada kekuatan di bumi adalah puas dengan domain sendiri." [indonésio]

"पृथ्वी पर कोई शक्ति अपने डोमेन के साथ संतुष्ट है" [hindi]

"Níl aon chumhacht ar domhan sásta leis an dá bhfearann féin." [irlandês]

"Nėra žemėje galia yra patenkintas savo domeno." [lituano]

"Ніяка сила на землі був би задоволений своїм власним доменом". [ucraniano]

"Ingen makt på jorden er fornøyd med eget domene." [norueguês]

"Walang kapangyarihan sa lupa ay nasisiyahan sa kanyang sariling domain." [tagalo]

"Yeryüzünde yok güç kendi etki alanı memnun." [turco]

"Ніякая сіла на зямлі быў бы задаволены сваім уласным даменам." [bielo-russo]

"No je moč na zemlji zadovoljni s svojo lastno domeno." [esloveno]

"L-ebda poter fuq id-dinja hija sodisfatta bil domain tiegħu stess." [maltês]

"Ükski võim maa peal on rahul oma valdkonnas." [estoniano]

"Δεν υπάρχει εξουσία στη γη είναι ικανοποιημένη με το δικό του όνομα." [grego]

"Не моќ на земјата е задоволен со свој домен." [macedônico]

No terraço



O que há com aquele coqueiro?
Estreito, fino, tão cheio de vida,
Continua ali, no mesmo lugar,
Terra sem nome, de anelo desprovida;
Inda que os frutos lhe nasçam,
Ninguém os provou. É garantida
Sua permanência, talvez pense,
Num insucesso sem medida.

A manhã e a tarde passam, vem a noite.
A aurora é aguardada com esperança.
O solo é seco, não há chuvas,
Foge-se-lhe um estado de abastança.
A Lua Branca perscruta-lhe as palmas,
Sua luz é carregada de nuança.
O vento frio enregela-lhe o tronco,
Leva embora sua outrora pujança.

2002

07 dezembro 2009

O Sonhador - I



O pequeno pássaro sonha... quer cantar;
um canto fluido, latino, latente...
Aguarda dias... semanas... somente
após anos é liberto... quer voar!

Ruflem-se as asas... namore-se o ar!
Escolhe a árvore mais atraente.
Em seu cume, pousa suavemente;
de norte a sul, avista o lugar.

Qual seria a amplidão de seu canto?
Que dizer de seus graves? E os agudos?
Alcançaria todo ser? De dia e ao luar?

Mas seus desejos tornam-se pranto.
Notas e tons... modulações... todos mudos.
O dom se foi. A arte partiu. Põe-se a chorar...

26 jul 2002

[Poema publicado na antologia ECOS DA ALMA, da Editora Andross, São Paulo]

Cantiga de Amigo



é noite...

na curva
dois seres cansados
suados
na pressa dos ventos
ocultos sentimentos
gravados
na imagem da lua

na rua
as casas são tortas
e as portas
não entram nem saem
atraem
meu rápido olhar
na curva do mar

no fim
o Poeta não veio
no seio
a luz da alvorada
abriga sua amada

se encerra
na terra
um poema que veio de mim

23 abr 2001

03 dezembro 2009

Metamorfose Estática



Ali, na parede

Não era a barata humana de Kafka

Não era um quadro surrealista de Dali

Era apenas meu paletó azul-marinho

Na parede, logo ali

29 ago 1998

BR-101



um sono me perturba
não vou dirigir mais
já passa da meia-noite

farol baixo
apagando
o tanque está cheio
a bateria - fraca

saio da estrada
ligo meu CCE
abaixo o banco
estico meu corpo
cruzo os braços
fecho os olhos

lembro dela
e durmo tranquilo

ao som de Kenny G

Out/1997

Pensamento III



"A fibra de nossos corpos é feita da mesma matéria-prima que a fibra das árvores." César dos Anjos
23/11/2009, 19h25min



"The fiber of our bodies is made of the same raw material as the fiber of trees."

"La fibra de nuestro cuerpo está hecho del mismo crudo material como la fibra de los árboles."

01 dezembro 2009

Sétimas ao Dubitável e ao Contradizente


I
Há algo neste mundo
Que não podemos ver
Não é reto nem rotundo
Nem podemos esquecer
Aparece num instante
Não vizinho nem distante
E torna a desaparecer
II
É objeto esquisito
Sem objeto ser
É querido e malquisto
Em jornal rádio e TV
Não é belo nem odioso
Inglório nem glorioso
Nem o podemos perceber
III
É sol na noite escura
É lua no alvorecer
Ele é fruta já madura
Num ramo que irá crescer
Não é reto nem iníquo
É instrumento profícuo
Sem instrumento ser
IV
Hipnologogicamente
Ordena sem o poder
Electromagneticamente
Atrai tornando a perder
É ríspido e delicado
Um rio que corre deitado
É treva ao amanhecer
V
A ruína é sua vitória
Não tem ordem ou saber
Não há pretérito na história
No futuro não há morrer
Nem fértil ou infecundo
Do horizonte é oriundo
Existindo sem viver
VI
Não é grande ou pequeno
Costura sem coser
Não é árido ou ameno
Corre o mundo sem correr
Não tem rosto nem forma
Em tudo se transforma
Sem mudar sem se mover
VII
Que é isto que me dizeis?
Algo que é um não-ser?
Se falais vos contradizeis
A dúvida é vosso escrever
Numa cruzada vos pondes:
Do arvoredo sois as frondes
Ou o silêncio do arborescer?

14-11-2002